sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Um soco...

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Seria bom você me dar um soco bem forte agora. O peso da realidade não poderia nunca me faltar numa hora como esta. O alívio seria compensador no fim da madrugada, com a chegada do sol e o recomeço formidável de todo aquele familiar teatro urbano.

Só fui masoquista na infância porque não conseguia admitir que tantas pessoas dóceis e adoráveis no mundo todo sofressem mais que eu. Era uma injustiça que manchava a tela do universo.

Agora é mais ou menos como um alquimista procurando uma fórmula incrível; a fórmula que parece então é o misto perfeito de dor e prazer, a única que conduz o buscador ao ponto de equilíbrio na jornada tumultuada em rumo à empatia universal.

Um paralelo em termos de sensação física é a de ser golpeada no plexo solar, a região popularmente chamada boca do estômago. É o mais perto do conceito de mistura equânime de dor e prazer que a experiência direta e concreta nos permite sentir no corpo. Se bem que nem todos sentem isso (é algo que pode variar de pessoa pra pessoa), mas para quem o consegue já é uma boa iniciação ao Mistério.

Em termos musicais, o som do My Bloody Valentine é tão exato que mais parece uma demonstração matemática. Paraíso, Purgatório e Inferno dançam de mãos dadas e rolam um sobre o outro até o horizonte do infinito (ou até onde nossos ouvidos captam a reverberação fantasmagórica). Podemos então até rir e chorar ao mesmo tempo, mas não será algo tão estranho assim, uma vez que não nos esqueçamos deste fato: os maiores prazeres são, acima de todos, aqueles que nos fazem chorar.

Repare agora como os olhos do povo vasculham avidamente pela visão de desmembramentos humanos a cada acidente de trânsito nas cidades... Mas poucos sabem que ver o caos e a dissolução somente é uma experiência viável quando isso traz ao espírito a aspiração à integração pela noção do contraste. É por isso, também, que os filmes de horror realmente perfeitos são apenas aqueles dignos de ser louvados como monumentos à Beleza invisível.

Já o paladar conhece muito bem as ardentes sutilezas etílicas... E a sociedade conhece seus frequentes resultados nada sutis – não são muitos os autênticos buscadores, afinal. Abundam os meros escapistas amantes dos sentidos sem sentido. Mas quando um bom bebedor surge no caminho, é reconhecido como tal tão somente pela sua obra: ela poderá ser aquela que ganha luz quando se extrai ordem do caos e caos da ordem... para o conhecimento da distinção funcional dos elementos. Ou poderá, ainda, ser do tipo “coquetel”: mistura total. Isso será, no caso, para o conhecimento da verdadeira aparência da fusão. (Entenda quem puder.)

E o que dizer do excitativo sensual, erótico, do cheiro da exsudação de um lindo corpo humano? Parece justamente o oposto de qualquer perfume feito por perfumistas. Mas é a lógica dos feromônios, pura e simplesmente. Obviamente, fetiches sexuais baseados nisso devem ter momento e lugar. Mas o tabu já se encarrega disso.

Sim, você consegue me dar agora um impacto bem forte, um baque, um estouro, um golpe, preciso ou impreciso – será sempre preciso. Eu preciso disso, para encarar o mundo nos olhos – os olhos do mundo – e os meus olhos serão então fundos e profundos, indomesticados, penetradores como dardos de desafio oblíquo. Sim, sempre estarei preparado, principalmente quando você achar que não estou. Não tema a si mesmo nesta hora e não se apiede de minha força.

Então, sim, o peso da realidade se grudará firme na minha experiência íntima e minha resposta impetuosa e ambígua será uma verdadeira obra de arte sobre o mármore do silêncio. A cidade nos conhecerá.

E o alívio será compensador no fim da madrugada, com a chegada do sol e o seu amigável abraço novamente.



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