segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O últimos dias...


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Direcionando-se para Meca, a maquete de paraíso dentro da bolha de plástico teleguiada acabou por explodir próxima a um posto de combustível desativado festivamente decorado. Instantaneamente foram liberados os insetos mutantes cultivados na Central de Criogenia Bélica, para maior deleite dos robôs programados só para ser sádicos e mais nada, que ficaram assistindo de olhos vidrados a obra de sua obra. Nada que já não tivessem visto nas telas de plasma do planeta recentemente pulverizado. Os profetas com cara de orangotango nativos do primeiro planeta que fora liquefeito ainda resistiam às novas e originalíssimas torturas do seu novo habitat metálico. Pude passear com uma fingida cara de inocência por entre as estradas de pedras pontiagudas moldadas virtualmente pelo meu novo captor. Sabíamos agora que estávamos sendo sempre observados sem trégua alguma, enquanto surfávamos no mar de petróleo tão despreocupadamente e nossas mães (ou os cadáveres delas) estavam sendo estupradas sistematicamente.

Os projetos de paraíso que ainda nem ganharam maquetes realistas podiam, na época, tranquilamente borbulhar entre nossas têmporas. Hoje isto tudo seria na certa classificado e assim arquivado na categoria de “típica utopia da Era de Aquário”. Como não previmos isso? Éramos mais espertos que os esportistas radicais do período histórico. Superávamos os poetas e os filósofos em nossa habilidade de capturar os infinitos tangíveis. As melodias que compúnhamos ainda soavam originais após tantas coletâneas repetitivas... Como podemos agora evitar a saudade de nosso pó primevo? Já nem mesmo sabemos quem somos. São instantâneos fixos a se contemplar. São galhos partidos nas cabeças de nossos deuses. De deuses somos chamados em forma de deboche pelos nossos torturadores. Dentre estes, os de corpo de fogo ainda nos torturam até em sonhos; os amigos puderam assistir aos vídeos com as imagens das criaturas captadas pelos decodificadores visuais de ondas alfa enxertados em nossas pituitárias. Azuis como estrelas quentíssimas, mas nada lindos de se ver.

E você, ainda insistindo nisso de tentar ensinar as máquinas a chorar. Deveria, ao invés, ocupar-se com a conservação do seu próprio coração quase paralisado. Ensine-o a raciocinar, mesmo que seja nos contados últimos dias. Alguma espécie de redenção poderá estar reservada a alguma carne... de algum gênero... que poderia nos revestir as ossaduras pensantes...

Guarde a lembrança dos fogos de artifício e pirotecnias em geral para a última hora do último dia. Vá gritando por enquanto a desilusão primal. Respire fundo enquanto ainda houver ar para
nós sob a redoma acinzentada. Uma ordem de comando ainda soa no centro do instinto de nossa rebeldia; nada pode jamais calar essa voz. Nem mesmo todas as dores e tampouco todos os prazeres mefistofélicos que nos são oferecidos conseguem fazer cessar o ímpeto que de dentro urra sabiamente:

“Derreta todos estes relógios!”



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domingo, 25 de dezembro de 2011

Aff

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Aff. Novas “fórmulas” estilísticas para descrever “beleza” e “harmonia”? E, igualmente, “horror” e “terror”? Ah! Como me sinto pequeno e inútil enquanto não descrevo o que realmente urge ser descrito: as FORMAS de afirmação das primeiras e de superação das últimas!

Mas vou por enquanto vomitando penumbras e matizes. Sutilmente. Posso depois, ao menos, tentar ser um garimpeiro de símbolos e interpretações vindos de mim mesmo.

Isso porque sei muito bem que eu mesmo não sou apenas eu mesmo. (Quem quiser entender, que entenda.)



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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Um soco...

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Seria bom você me dar um soco bem forte agora. O peso da realidade não poderia nunca me faltar numa hora como esta. O alívio seria compensador no fim da madrugada, com a chegada do sol e o recomeço formidável de todo aquele familiar teatro urbano.

Só fui masoquista na infância porque não conseguia admitir que tantas pessoas dóceis e adoráveis no mundo todo sofressem mais que eu. Era uma injustiça que manchava a tela do universo.

Agora é mais ou menos como um alquimista procurando uma fórmula incrível; a fórmula que parece então é o misto perfeito de dor e prazer, a única que conduz o buscador ao ponto de equilíbrio na jornada tumultuada em rumo à empatia universal.

Um paralelo em termos de sensação física é a de ser golpeada no plexo solar, a região popularmente chamada boca do estômago. É o mais perto do conceito de mistura equânime de dor e prazer que a experiência direta e concreta nos permite sentir no corpo. Se bem que nem todos sentem isso (é algo que pode variar de pessoa pra pessoa), mas para quem o consegue já é uma boa iniciação ao Mistério.

Em termos musicais, o som do My Bloody Valentine é tão exato que mais parece uma demonstração matemática. Paraíso, Purgatório e Inferno dançam de mãos dadas e rolam um sobre o outro até o horizonte do infinito (ou até onde nossos ouvidos captam a reverberação fantasmagórica). Podemos então até rir e chorar ao mesmo tempo, mas não será algo tão estranho assim, uma vez que não nos esqueçamos deste fato: os maiores prazeres são, acima de todos, aqueles que nos fazem chorar.

Repare agora como os olhos do povo vasculham avidamente pela visão de desmembramentos humanos a cada acidente de trânsito nas cidades... Mas poucos sabem que ver o caos e a dissolução somente é uma experiência viável quando isso traz ao espírito a aspiração à integração pela noção do contraste. É por isso, também, que os filmes de horror realmente perfeitos são apenas aqueles dignos de ser louvados como monumentos à Beleza invisível.

Já o paladar conhece muito bem as ardentes sutilezas etílicas... E a sociedade conhece seus frequentes resultados nada sutis – não são muitos os autênticos buscadores, afinal. Abundam os meros escapistas amantes dos sentidos sem sentido. Mas quando um bom bebedor surge no caminho, é reconhecido como tal tão somente pela sua obra: ela poderá ser aquela que ganha luz quando se extrai ordem do caos e caos da ordem... para o conhecimento da distinção funcional dos elementos. Ou poderá, ainda, ser do tipo “coquetel”: mistura total. Isso será, no caso, para o conhecimento da verdadeira aparência da fusão. (Entenda quem puder.)

E o que dizer do excitativo sensual, erótico, do cheiro da exsudação de um lindo corpo humano? Parece justamente o oposto de qualquer perfume feito por perfumistas. Mas é a lógica dos feromônios, pura e simplesmente. Obviamente, fetiches sexuais baseados nisso devem ter momento e lugar. Mas o tabu já se encarrega disso.

Sim, você consegue me dar agora um impacto bem forte, um baque, um estouro, um golpe, preciso ou impreciso – será sempre preciso. Eu preciso disso, para encarar o mundo nos olhos – os olhos do mundo – e os meus olhos serão então fundos e profundos, indomesticados, penetradores como dardos de desafio oblíquo. Sim, sempre estarei preparado, principalmente quando você achar que não estou. Não tema a si mesmo nesta hora e não se apiede de minha força.

Então, sim, o peso da realidade se grudará firme na minha experiência íntima e minha resposta impetuosa e ambígua será uma verdadeira obra de arte sobre o mármore do silêncio. A cidade nos conhecerá.

E o alívio será compensador no fim da madrugada, com a chegada do sol e o seu amigável abraço novamente.



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São Nicolau...

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...teve a suprema infelicidade póstuma de ver uma berrante e aberrante caricatura sua reproduzida anualmente no lugar daquela famigerada caricatura messiânica tingida de sangue imortalizada pelos séculos.

Meu Amor. Saiba que a caridade que agora você me faz estará estampada na bandeira erguida pelos netos dos nossos maiores inimigos.

Afinal, os avós deles foram aqueles que acreditaram em absurdos bem maiores que velhinhos que voam em trenós por aí. E foram estes tipos de “adultos” que tanto se julgavam no dever de educar as novas gerações.

Definitivamente: adultos apreciam tanto aterrorizar a si mesmos inconscientemente que nisso parecem com crianças.

Esta dependência quase química de tão psicológica da ideia de um redentor crucificado nunca poderia sair de uma mente plenamente saudável.

Já estou preparado para renunciar a tudo isto. A sucessão de momentos-limite decisivos ao longo da minha vida chegou àquele ponto culminante que podemos chamar Rompimento Sócio-Emancipante. Não posso fingir que não sei o que sei. Não consigo mais por um só minuto deixar de me repugnar com a visão desta massa de antropoides falantes que prazerosamente escolheu renunciar ao raciocínio.

Todo ser genuinamente realista chegará ao menos uma vez em sua vida a se ver como sendo indistinguível de um paranoico. Eis um bom retrato meu neste recorte do tempo.

(Tive um dèja-vu amargo ao terminar de escrever isto.)



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A torrente

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Esta queda ainda tão recorrente de lágrimas parece querer reivindicar a primazia da função dos meus olhos... em detrimento daquela óbvia que é contemplar a beleza sempre distante que ainda se chama você.

Quero respirar para fora desta bolha que alguém chamou de paixão; livre me vejo apenas num sonho tão artificialmente induzido que não resiste à comparação com a solidez dos pesadelos tão naturalmente familiares.

A profecia de David Bowie de que ainda haverá corações partidos neste século parece ser o limite de minhas pretensões pessoais.

Serei artista antes do fim do século, ainda que morra bem mais cedo que a fama... Ao menos terei dado sorrisos e risos simultaneamente a esta torrente incontrolável e invencível de dor autenticamente humana.



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terça-feira, 15 de setembro de 2009

Adored

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Tu me seguias como se o caminho não fosse só meu; como se dele não tivesses medo algum. Assim como nunca temi tuas cicatrizes autoprovocadas, os cortes e as queimadas dos cigarros – que tu acendias com o único propósito de render-te ao destino dito incontrolável. Tu te regeneravas meio que sem querer; olhavas outra vez o caminho adiante como se algum dia viesse a te pertencer... Dormindo instantaneamente na cama ao meu lado assim que caía nela, tão bêbado como um mosquitinho de Rimbaud; e no outro dia já obcecado e maravilhado até o êxtase com cada feiúra e bizarrice que eu possuía em minha velha casa, tua conquista e reinado – não! Quero-te com minha luz, as novas luzes de cada novidade habitável. O que puder te acender, reconciliar com o sol do qual foges com um ímpeto de singular puerícia...

Tu me escapas, nas praças e parques não paras para conversas que não sejam de curta duração, só para eu te perder no fim da tarde e no início dos açoites que ardem meu desejo mais incomunicável, em instantes de despedida – e novamente não nos despedimos: te perco ao longo da faixa da aurora sidérea.

E já em casa (cada casa em que me refugio) me agarro sofregamente a cada fetiche-avatar em que prendi tua projeção, imaginando que abraço teu corpo absurdamente perfeito – perfeito em cada marca e cada espinha e bactérias inocentadas em teu estômago de éter. Beijo o ar, os armários, as paredes, os cucos calados dos relógios invisíveis – pois tu te manifestas em tudo que vejo, entrevejo e imagino entrever, sorrindo e rindo tua risadinha e as caretas de desenho animado que mesmo toda aquela máscara de rock gótico não consegue conter, me arrancando da paz sem desejo, sem corpo, sem precisão... Jamais descansando da roda ardente, da espiral da serpente... e não entendes nada disso; meus dramas e comédias e catarses te escapam eternamente – não sei ainda dizer se é por desprezo ou simples inocência. Jamais conseguiria te odiar... Posso apenas, por agora, dormir na companhia de mais um belo substituto. Ou um bichinho de pelúcia. Ou a lembrança daquele certo patinho de plástico amarelo no sonho da minha primeira infância (eu o chamava “Coração”).


Coração de Goody, assim o chamavam,
Aquilo que se foi sem nunca ter ido.
Um amigo da luz, ao sol despertava,
Sem saber que o sol por ele era atraído.

Por entre os canteiros colore-se o moço
De acenos das telúricas energias;
Um poema viril lhe desenvolve o torso
E corpos se fazem música e harmonia.


(Um irrequieto vendaval de olhos de oliva passa por tua vida e deixa estilhaços de avatares humanoides facilmente saboreáveis, mas de todo desiguais ao Adorado Adorável – e o quê te resta? A “sagrada paciência” e um sabor anacrônico de martírio.)



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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Planeta de Exílio


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O silvo do transe pudoroso ainda paira sobre as construções e as plantações. A criança baixa sua testa em consideração à sua última e esfarrapada esperança de sorrir. Consolos melindrosos ainda a sorrir nos cruzamentos dos caminhos sinuosos. Bem alto, no nível das nuvens, abrem-se portas invisíveis para que caiam os alívios derretedores de argumentos. E caem.

“Maldito ciclone” – rouquejamos. Sua cor única é o emblema da circunscrição única. Nossos braços estão impedidos de abraçar. As canções já emudecidas; campos inacessíveis pelas cercas ácidas. Pálidas são as vestes sacerdotais dos geniosos ministros infernais. Mas ainda pagamos pelas preces, mesmo sem o saber – ainda ajoelhamos na armadilha armamental. Sempre, sempre na espera de um amanhecer nostálgico, subterrâneo, que nos quebre os elos fatais.

Nem as águas que desabam chegam a nos curar. Nossas feridas, já tragadas pela umidade, decoram festivas as estradas da iniqüidade.

Nossos olhares – ah! Quem me dera não mais lembrar dos termos da promessa imposta! Este vínculo politicamentosamente inamovível que nos cinge de dor... e a dor... impossível de ser descrita porque é GRITO e lamento inútil de se tentar traduzir...

Cante ao espaço pútrido, exclame pela salvação, meu único amigo – pode dar certo desta vez. Tem que ser certo, certeza de vida vivida; sim, agora!

Agora os resíduos tecnológicos cobrem a exclamação.

Vastos esteios de domínio recobertos pelo assombroso arsenal: nossa despedida. Nossas idas melancólicas, silentes, evanescidas... Para a distância mais erma e oposta ao conceito acolhedor... Longe, longes sentimos e sonhamos nossos sonhos sem paz, dilaceradas lágrimas!

Sim, vez ou outra alguma estrela cai do céu. Mas sabemos se tratar apenas de rochedos, ou coisas menores ainda – partículas insignificantes de esperança objetivada. Nada que mude o enredo básico. Sonhamos ainda com uma libertação criativa, realmente emocionante – não com fugas ilusórias! Não queremos mais máquinas artificiosas para enxugar nosso pranto – precisamos, isto sim, é que este seja derramado por uma causa digna!

Digno! Digno, brilhe como outrora!; conte-nos novamente aquelas histórias preciosas – precisas! – de revoluções previstas por profetas filosóficos, imponentes no retrato!... Revoadas mecan

Corte. Sempre há alguém caminhando sozinho debaixo da chuva. E, quando nos apercebemos disso, é quase sempre certo que somos nós. Ou seremos. (“Os próximos”.)

Sozinhos – evidentemente.



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