sexta-feira, 19 de junho de 2009

O encanto perdido (resumo/adaptação)

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(Resumo / adaptação para roteiro)



Um homem idoso, de semblante solitário, caminha devagar pela ruas de uma pequena cidade. Evita ter de olhar os transeuntes – só o faz brevemente com relação a um menino que passa segurando um algodão-doce.

PENSAMENTO EM OFF: “A ingenuidade envelhece. Meu pai já dizia. Por que duvidar? Eu me lembro bem. Não obtive benefício algum. Há sempre alguém nos enganando enquanto nos deixamos absorver pela distração. Regras de sobrevivência em um mundo capitalista; te fazem duro e garantem o pão nosso.”

Anda mais devagar ao passar diante do café-bar, olha lá para dentro por um pouco de tempo. Vê homens conversando junto ao balcão. Atrás deste, uma mulher simples porém gentil serve-lhes café.

O homem vasculha os bolsos, mas logo se desanima ao constatar não haver ali dinheiro algum. Olha para os lados e resolve atravessar a rua. Ruma para a praça localizada logo em frente. Senta-se no banco, e fica lá pensando.

PENSAMENTO EM OFF: “A mesma praça. O mesmo banco. Em todos os lugares eles são brancos, em todos os pontos do mundo”

É focalizado um edifício.

PENSAMENTO EM OFF: “O edifício continua no mesmo lugar... Nenhum avião caiu sobre ele antes do noticiário do meio-dia.

A rua e os passantes.

PENSAMENTO EM OFF: “O mundo não sabe que você existe. Deve ter lá suas razões... (...)

Um sol intenso entre o arvoredo da praça.

PENSAMENTO EM OFF: “Hoje seria um dia ideal para se nascer. Eu gostaria de nascer hoje. Contanto que algo diferente aconteça; um outro mundo, um outro tempo... Algo novo e que me surpreenda, que me conceda a chance de ser alguém...”

O PÁSSARO (voz masculina): – Você leu o jornal hoje?
O homem volta-se na direção da voz que o interpela e vê o passarinho empoleirado no encosto do banco, à esquerda.

O HOMEM: – Não, não cheguei a abrir.

O PÁSSARO: – E por quê?

O HOMEM: – Porque eu o abro todos os dias e já sei exatamente o que vou ver. Minha vida não mudará em nada por causa disso... e, de qualquer forma, se tiver algo realmente surpreendente, vai passar na TV.

O PÁSSARO: – É; de fato, é bem difícil que a TV mostre algo muito diferente do jornal. Mas hoje pode ter acontecido algo realmente importante, a nível mundial.

O HOMEM: – Algo importante, hmm... E o que poderia ser?

O PÁSSARO: – Nada além do que já está diante de você, a cada minuto.

O homem silencia e admira a rua à sua frente.

O PÁSSARO: – Foi só uma opinião, entenda como quiser...

O HOMEM: – Eu estou aqui precisamente para encontrar algo que os jornais não mostrem. E o que eles mostram é o mesmo que eu vejo todos os dias, nada mais; nada que me faça... (pausa)

O PÁSSARO: – O que você está vendo agora?

O PÁSSARO: – O que você está vendo agora?

O HOMEM: – Uma vida sem valor... Vidas sem valor... A única lição que pude tirar desta vida é que nada tem valor algum. Tudo é tão vão, tudo tão frágil e falso, como cenários de papelão... As coisas mais contraditórias, o bem e o mal, o prazer e a dor, tudo isso demonstra ter a mesma magnitude. Há quem veja beleza nesta identificação, mas eu nem mesmo sei identificar a beleza. Eu gostaria de estar enganado quanto a isso, mas... não há o que eu possa fazer.

O PÁSSARO: – O que você gostaria de fazer agora?

O HOMEM: – Em termos de possível?

O PÁSSARO: – Ahn... sim.

O homem respira profundamente e esboça um sorriso.

O HOMEM: – Agora mesmo eu gostaria muito de poder tomar um café... logo ali (aponta o prédio descascado).

O PÁSSARO: – E por que você não vai, então?

O homem expressa desânimo.

O HOMEM: – Me falta dinheiro para isso.

O PÁSSARO: – Bem... no mundo em que eu vivo, o café sempre é de graça.

O homem paralisa, olhos e boca abertos.

PENSAMENTO DO HOMEM EM OFF: “Esquizofrenia. Eu sabia que iria acontecer um dia.”

O PÁSSARO: – Você ainda quer café?

Nada de resposta. O homem continua estático.

O PÁSSARO: – Sim, você quer café.

Enquanto ouvimos a voz do pássaro em off (próximo parágrafo), segue-se uma cena: o homem entrando no “café-in”, bem confiante e alegre; em seguida cumprimenta algumas pessoas nas mesas e conversa algo com elas, brevemente; dirige-se ao balcão e lá é atendido por uma simpática mulher de meia-idade (olham-se fixamente nos olhos por um rápido instante). Então vemos esta mesma mulher entrando em seu quarto, sozinha, e logo se admira no espelho do roupeiro. Expressão triste.

VOZ DO PÁSSARO EM OFF: “Mas o café está em você, e nada poderá tirá-lo de lá. Você e o café são um só. Há de fato um grande desejo, e este desejo é tudo. A este desejo deu você o nome de café. E não há outro. Você já provou o café inúmeras vezes e certamente voltará a provar. Você paira sobre um abismo entre o café já tomado e o a se tomar. Este abismo tem gosto e aroma. E tem grandes janelas panorâmicas, convidativas para os transeuntes. Tem som de agradáveis e breves conversas junto a um balcão, sobre o qual se inclina aquela mulher tão atenciosa, mas cheia de segredos, que costuma chorar de solidão na noite de seu pequeno apartamento suburbano, envolta pelo seu complexo psicológico de transferência derivado do amor electriano, à espera de um homem compreensivo e maduro que se lhe mostre como uma revigorante surpresa há muito esperada.”

O HOMEM (AGORA SORRINDO): – As idéias...

O PÁSSARO (ANTES DE VOAR): – Mas não se esqueça das moedinhas, OK?

O pássaro sai voando e o homem o acompanha com o olhar, meio confuso e muito pensativo. Seu rosto encerra a cena.



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